Filha da atriz Ângela Leal e neta do dono de teatro Américo Leal, Leandra Leal cresceu num ambiente artístico. Antes mesmo de estrear como atriz, ela já convivia com os bastidores do teatro e da classe artística carioca. Recentemente, assumiu a administração do tradicional Teatro Rival, casa no centro do Rio que herdou do avô. Agora, une sua experiência de vida com o interesse pela arte para produzir e dirigir um belo documentário.
Divinas Divas conta a história de ícones da primeira geração de artistas travestis do Brasil, a partir de relatos colhidos em meio a uma apresentação realizada em 2014, no próprio Rival. Rogéria, Jane Di Castro, Divina Valéria, Camille K, Eloína dos Leopardos, Fujika de Halliday, Marquesa e Brigitte de Búzios contam suas histórias de vida ao mesmo tempo em que continuam a demonstrar talento em cena.
Num momento em que a sociedade brasileira sofre com uma onda de conservadorismo, um documentário como este não é apenas interessante, mas também importante. Importante para mostrar que mesmo na época da ditadura artistas travestis tinha mais espaço nos palcos do que hoje. Importante para mostrar o quão triste é o fato de um casal levar 46 anos para conseguir na justiça o direito de viver uma união estável. Importante para mostrar o significado do artista e da arte no rompimento de barreiras e preconceitos.
É difícil imaginar que alguém olhe para as oito protagonistas da história e as considere anormais. Mais difícil ainda é saber que tal tipo de postura é comum. Felizmente, por parte da câmera de Leandra, as artistas só recebem carinho. A atriz demonstra uma sensibilidade incrível em sua estreia como cineastas, relembrando o tipo de cinema do lendário Eduardo Coutinho.
Estamos diante de um filme sobre afetos. Feito com muito afeto. Há problemas de ritmo. A duração de 110 minutos é exagerada e cansa um pouco o espectador. Mas dá para entender a dificuldade de Leandra e sua montadora Natara Ney. Com tanto carinho envolvido, é difícil mesmo determinar o que acabará de fora da obra.
Leal aproveita o tema das Divas para realizar também uma produção extremamente pessoal. Fellini dizia que toda arte é autobiográfica. E isto se aplica muito aqui. E a atriz/diretora não foge desta aproximação. Ela se coloca como narradora e aproveita o tema para também relembrar seu avô, seus pais e, principalmente, seu teatro, o Rival.