Lançado em 1971, O Estranho que Nós Amamos surpreendeu por trazer uma certa virada psicológica ao trabalho habitual dos parceiros Don Siegel e Clint Eastwood. Situado em plena Guerra Civil americana, o longa abordava sem muita sutileza questões como o desejo e a culpa, através de personagens femininos um tanto quanto caricatos. Até por isso, e devido a um punhado de situações machistas, existia uma certa curiosidade em ver como esta mesma história seria agora apresentada tendo uma mulher na direção.
O Estranho que Nós Amamos - FotoPara Sofia Coppola, a saída foi deixar de lado o longa dirigido por Siegel e focar no material original, o livro escrito por Thomas Cullinan. Com isso, a diretora (e também roteirista) fez uma tremenda limpeza na história como um todo: não há mais o beijo do personagem principal em uma garota de 13 anos (!!!); não há mais a subtrama do irmão falecido; não há mais a ideia do homem como um "galo", deixando todas as mulheres - e animais - no cio; não há nem mesmo Holly, a escrava do internato. Há as mulheres, gerenciadas por Martha Farnsworth (Nicole Kidman), e o cabo John McBurney (Colin Farrell), apenas isto. E é suficiente.
Mesmo com tantas ausências, a diretora manteve o foco da história em cima do desejo e de um certo tom mórbido. Para tanto, construiu um cenário absolutamente gótico onde explora a luz natural em uma belíssima fotografia, com figurinos e direção de arte impecáveis. A ausência de trilha sonora e a aposta no canto dos pássaros trazem um tom bucólico que combina muito bem com a ambientação apresentada. É nesta caracterização geral e na limpeza dos excessos que se pode melhor notar a interferência de Sofia Coppola.
O dedo da diretora surge também na forma como o cabo John McBurney é retratado. Se Clint Eastwood investia firme no lado garanhão, Colin Farrell surge bem mais contido. Por mais que volta e meia lance seu típico olhar galanteador, ainda assim é algo bem mais sutil e adequado ao momento da narrativa. Seu relacionamento com cada uma das mulheres do internato soa bem mais fluido e menos esquemático, por mais que, em alguns casos, tenha sido diminuído em relação ao original. Outro ponto importante é que, desta vez, o foco central não está na sua percepção dos fatos e sim no das mulheres, por mais que sua presença seja o elo condutor da narrativa.
O Estranho que Nós Amamos - FotoJá entre elas, o destaque absoluto fica por conta da reprimida Edwina, interpretada com competência por Kirsten Dunst. Em relação ao original, há uma melhor divisão de tempo de tela para todas as mulheres do elenco, por mais que isto tenha diminuído as participações de Elle Fanning e, especialmente, Nicole Kidman - principalmente devido à retirada da subtrama do irmão. Ainda assim, a matriarca tem seu espaço também na representação do desejo, no sentido do tesão pelo corpo masculino.
Enxuto e bem executado, O Estranho que Nós Amamos é uma espécie de versão melhorada e politicamente correta do longa-metragem lançado nos anos 1970. Se por um lado possui vários méritos técnicos, que podem lhe render algumas indicações no próximo Oscar, por outro soa como um filme menor dentro da carreira de Sofia Coppola como autora. Não há aqui ousadia ou uma maior profundidade, apenas um trabalho bem feito na recriação de uma história já conhecida - o que, por si só, é suficiente para tornar esta nova versão bem melhor que o preconceituoso filme original.