Sempre que ocorre alguma tragédia, tipo os massacres em Columbine e Realengo, busca-se encontrar um motivo para que tenha acontecido. O passado do autor é vasculhado, de forma a achar possíveis razões psicológicas para tal ato. Maus tratos dos pais, bullying, traumas das mais diversas origens, tudo serve como justificativa. E se ela simplesmente não existir? A mente humana é uma incógnita, de forma que é impossível saber o que se passa nela. Leis e costumes são travas morais para que a vida em comunidade possa existir, mas, como mostram os exemplos citados, nem sempre são suficientes. Para alguns, o simples prazer em fazer o proibido basta. Em casos mais graves, sem qualquer consciência do quanto pode ser prejudicial ao outro. A satisfação pessoal está acima de tudo.
Desde o primeiro minuto de Precisamos Falar Sobre o Kevin o espectador sabe que algo dará errado. Muito errado. A impactante cena inicial mostra uma multidão em meio a um líquido vermelho, semelhante ao sangue. Uma imagem forte para começar a contar a vida de Eva (Tilda Swinton, em atuação digna de Oscar), através de um quebra-cabeças repleto de variações no tempo de forma que se possa conhecer seu presente e passado. Agora, ela é um pária na cidade, maltratada por quase todos que a encontram. No passado teve uma vida feliz, ao lado do marido Franklin (John C. Reilly). Algo muito grave aconteceu entre estas duas épocas. Seu nome é Kevin, o primeiro filho do casal.
Em certos momentos Kevin lembra Damien, o anticristo da série A Profecia, só que sem qualquer característica religiosa. Ele é “apenas” uma criança má, desde o nascimento, especialmente com a mãe. Há uma implicância natural que faz com que Eva entre em desespero e sinta-se frustrada. O carinho natural de mãe aos poucos se transforma em temor, com o passar dos anos. Ao mesmo tempo há a sensação de responsabilidade e, de certa forma, culpa, por tê-lo criado. Este difícil relacionamento é pontuado por cenas magistrais, que retratam a esperança da mãe em ser aceita pelo filho e a constatação de que ele, na verdade, a odeia.
Sob a direção soberba de Lynne Ramsay, que manipula as informações dadas ao espectador de forma que tudo se encaixe aos poucos, sem jamais perder a sensação de estranhamento diante do exibido, Precisamos Falar Sobre o Kevin é um filme duro e impactante. Os atos de Kevin, por mais que sejam imaginados, sempre surpreendem, pela materialização da maldade pura. Não há justificativa, há apenas o prazer sem compromisso com o futuro. Ou, como o próprio Kevin diz, “That’s no point. That’s the point”. Simples assim, o que torna tudo ainda mais assustador.
Destaque também para a escolha precisa dos dois intérpretes de Kevin. Jasper Newell, quando criança, e Ezra Miller, já adolescente, têm atuações impressionantes, transmitindo com o olhar o cinismo do personagem. Um filme perturbador, não apenas pela história em si mas pela inexistência de um motivo, seja ele qual for. Apenas a constatação de que a mente humana, que pode produzir tantas maravilhas, é também capaz das maiores atrocidades. Basta querer. Excelente filme.